Motos `roubam´ lugar de jegues e dominam tarefas rurais no Nordeste

30/08/2011 14:24

Práticas para fugir dos congestionamentos nas grandes cidades, as motos também são aliadas dos moradores rurais do interior do Nordeste. Se no século passado elas eram apenas sonho de consumo para a população do campo, com a popularização dos financiamentos elas se tornaram comuns em serviços como transportar leite, tanger o gado e facilitar as viagens para as cidades. Atividades que, aos poucos, substituem o uso de jegues e cavalos.

Nos últimos dez anos, a quantidade de motos no Nordeste disparou. Em 2001, eram 766.886 motocicletas registradas pelo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), o que significava 18% da frota regional. Em junho de 2011, a quantidade de motocicletas era de 3.662.463, um crescimento de 377% em dez anos e que hoje representa 36% da frota da região – no país, essa média é de 21%. O número de motos já é maior que o de automóveis em três dos nove Estados nordestinos – Ceará, Maranhão e Piauí.

A venda de motos cresce em ritmo bem mais acelerado no interior do que nas capitais. E o cliente da zona rural representa parte desse sucesso nas vendas. “Hoje, de cada três clientes, um vem para abandonar o cavalo ou o jegue”, afirmou João Carlos Bezerra, vendedor de motos em Caruaru (130 km do Recife).

Muitas são as histórias de pessoas que trocaram os animais pelas motos. Antônio Manoel dos Santos, 32, mora na zona rural de Caruaru e comprou uma moto no final de 2008. Hoje, ele a usa diariamente para fazer um serviço que antes era quase uma exclusividade dos jegues: levar o leite das fazendas para as cidades.

“Faço duas viagens de 10 km por dia, carrego até 100 litros de leite em cada viagem. Com um animal, poderia levar o mesmo leite, mas demoraria duas horas para chegar. Com a moto, em dias de chuva, levo no máximo 20 minutos”, informou o pequeno produtor, que financiou a moto em 48 prestações de pouco mais de R$ 200.



Outra tarefa em que as motos vêm ganhando espaço é o de tanger o gado, antes executada por cavaleiros. “O cavalo ainda tem sua utilidade e sempre terá para os terrenos de montanha, de acesso difícil. Mas a moto facilita tudo, ajuda a juntar o gado e não deixar nenhum animal escapar”, afirmou o vaqueiro Manoel Florêncio, 58, durante o tradicional serviço de fim de tarde de levar o gado do pasto para o curral.

A moto também facilita a ida ao trabalho e o acesso dos moradores do campo às cidades, visto que muitos municípios proíbem a parada de animais nas ruas. “Antes ia muito pouco para a rua, porque se a gente estacionar o cavalo, a polícia vem e leva. Hoje, com a moto, posso ir sempre. Além disso, venho para o trabalho de moto e deixo meu cavalo em casa, só uso para passear”, afirmou o ordenhador e criador de vacas Arlindo Manuel, 48.

De olho nos colegas de moto, João Martins, 27, começou a pagar um consórcio no mês passado para, nos próximos meses, também ter uma moto. Como trabalha a 20 metros de sua casa, cuidando de um curral, ele admite que o meio de transporte será usado para uma finalidade pouco indicada. “Com ela vou poder deixar minha égua e tomar cachaça com meus amigos”, disse, aos risos, negando riscos de combinar direção e bebida. “É aqui pertinho, não tem nem carro no caminho. No máximo caio e só eu fico ferido”, disse.

Jegues se desvalorizam

A compra de motos causou uma desvalorização dos jegues ao longo dos anos. “Hoje se vende jegue, a depender de seu estado de saúde e idade, por R$ 5. Tem muito animal no mercado. Muitos donos desistem de tentar vender e soltam esses animais na rua, nas pistas”, afirmou Ezequiel da Silva, vendedor da maior feira de Gado do Nordeste, em Caruaru. “O jegue hoje só serve para carregar peso, como o capim dos bois e vacas, ou para levar estrume de um local para outro mais próximo. No mais, está em completo desuso.”

O desprezo aos jegues pode ser percebido pelo crescimento no número de apreensões dos animais pelos órgãos de fiscalização de trânsito. Em Pernambuco, o grande número de casos fez a Polícia Rodoviária Federal lançar uma campanha, denominada de “laçador”, que convocou vaqueiros para ajudar a capturar animais nas rodovias federais. Foram apreendidos 118 animais que poderiam causar acidentes e mortes.

Segundo a PRF, em 2010 foram registrados 4.206 acidentes em rodovias federais no país por conta de animais soltos, com 78 mortes. Somente em Pernambuco nos últimos três anos foram contabilizados 29 óbitos.

No Ceará, entre 2009 e 2010, o número de acidentes causados por animais soltos em rodovias aumentou 33%. No ano passado, foram 119 acidentes, com 11 mortes. Segundo o Detran do Ceará, no primeiro semestre deste ano foram apreendidos mais de 7.500 jegues soltos em ruas e rodovias –o que representa mais de 80% das apreensões de animais soltos.

Fonte: UOL